São João de Meriti, 01/11/2010.
Um breve histórico sobre as mulheres do fim do século XIX e inicio do XX
A Cidade do Rio de Janeiro foi submetida a inúmeras transformações políticas, econômicas e urbanas no fim do século XIX e início do século XX. Dentre as mudanças está o fim da escravidão em 1888, que alterou as relações de trabalho que vigoraram no país por mais de 300 anos. Tornou-se extremamente necessário disciplinar as massas para as novas formas de trabalho.
A instauração da República em 1889 não mudou a conjuntura política das camadas populares, que continuaram sem direito a efetiva participação na vida pública. E mesmo o voto excluía a maior parte da população, inclusive as mulheres. A onda de reformas urbanas implementadas pelo Prefeito Pereira Passos, com o objetivo de tornar a cidade parecida com as cidades européias, deixaram a população das proximidades do Porto do Rio sem ter onde morar, já que muitos casebres e casas de cômodos foram demolidos para o alargamento das ruas, dificultando ainda mais a vida dos populares.
Neste contexto um tanto conturbado, as mulheres das classes populares são atingidas sobremaneira porque são obrigadas a morar longe de seus locais de trabalho, ou da família, já que a onda reformadora empurrou os pobres para as periferias e cortiços, que o escritor Lima Barreto afirma:
“... que vive uma grande parte da população da cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias em outros pontos do Rio de Janeiro”. (2006, p.83)
Em meio aos deveres dos quais a classe feminina popular era submetida, a moralização dos costumes é mais um dos obstáculos enfrentados, pois pensados a partir da elite, transformava a rua em um espaço proibido, “... “esqueci-a se” de que se incluía dentre as condições de sobrevivência da mulher pobre o fato inconteste de a rua ser também seu local de trabalho” (Marta de Abreu Esteves, 1989, p.47). Esta idéia é completamente adversa aos costumes das escravas de ganho, das escravas que eram prostitutas e das criadas, que a serviço de seus senhores poucos anos antes do fim da escravidão, transitavam livremente pelas ruas sem serem interrogadas pelas autoridades. Ficando claro para a elite, a necessidade de educar a população para os novos costumes. Mas, como incutir esta medida moralizadora aos populares?
A influência da imprensa tem um papel fundamental na divulgação dos novos valores morais que os juristas e a elite queriam incutir aos populares. A publicação das manchetes sensacionalistas de processos criminais deixa claro quais as condutas adequadas, das quais homens e mulheres das classes populares interpretam e assumem. A partir da divulgação dos novos valores, as mulheres que moram em “meios viciados” (cortiços), que sejam arrumadeiras em uma estalagem ou que exerçam quaisquer atividades, desacompanhadas, fora do espaço privado, podem ter a sua honestidade e moralidade contestadas no momento de um julgamento.
Como exposto anteriormente, as inúmeras transformações do Rio de Janeiro modificaram o modo de vida das camadas populares. Porém recaiu sobre a mulher a responsabilidade de adotar os novos comportamentos, ela passou a ser o centro das políticas e tornaram-se as responsáveis pela diminuição da imoralidade; suas famílias deveriam produzir “cidadãos ordeiros, trabalhadores, e não só parentes” (ESTEVES,1989, p. 31).
Mas, em meio a todas as suas responsabilidades como mãe, trabalhadora, mulher foi negado o direito a cidadania, que consiste em obter direitos políticos, civis e econômicos, porém a República não trouxe em seu bojo, todos esses direitos.
As restrições de direito à cidadania perpassa a questão de gênero, pois excluem analfabetos, mendigos e mulheres. Porém estas ficam em situação ainda mais desfavorável, pois mesmo aquelas que foram alfabetizadas não podiam participar da vida política porque apresentavam características próprias ao seu sexo, eram frágeis, submissas e não agiam segundo a razão, mas com o coração portanto
“A cidadania lhe foi negada, alegando-se que suas qualidades não lhe conferiam uma vontade própria e discernimento para votar. Nem precisava ser representada publicamente na medida em que habitava um mundo próprio – o universo do amor familiar.” (Raquel SOHIET, apud PAOLI, 1989, p.116)
O casamento sendo prescrito como principal ocupação da mulher, dava ao marido a obrigação de sustentar a família. O compromisso dela consistia em educar os filhos e cuidar do seu esposo. Sendo assim, ela ficava sob a tutela do marido, estando “impedida de exercer com autonomia os direitos individuais, a liberdade de pensamento, expressão, consciência, (...), liberdade de contrato e de associação”( Raquel SOHIET. Op.cit 117). No casamento das camadas populares, na prática, a mulher não ficava tão restrita ao marido, já que este dificilmente conseguiria prover sozinho o sustento de sua família, portanto ela tinha uma certa autonomia, como demonstra o processo de Henriqueta Maria da Conceição
Casada, doméstica, exercendo o serviço doméstico, a 17 de agosto de 1896, achou por bem pernoitar na casa onde trabalhava. Tomou esta decisão, demonstrando elevado senso profissional, já que ali estava tendo lugar um baile e seus serviços foram necessários. Ao retornar a sua casa foi, porém, agredida por seu marido que afirmou não ser verdade o motivo alegado. Henriqueta, porém, ciosa de seus direitos, reagiu a agressão, ficando ambos machucados.( ”( Raquel SOHIET, p.270)
Henriqueta foi condenada por sua atitude pelas autoridades porque feriu seu esposo e colocou sua atividade profissional a frente de sua obrigação de esposa, mãe e demonstrou insubordinação a seu esposo.
Percebemos que quando acionavam a justiça para defender seus interesses ou sua honra, as mulheres tornavam-se o centro da análise dos julgamentos “os juristas avaliavam se mereciam ou não sofrer o crime; se os comportamentos e os atos facilitavam e justificavam a ocorrência de uma agressão” (ESTEVES, 1989, p.41). Nesses julgamentos o modelo ideal de mulher frágil, submissa e mãe, era acionado para se definir a culpa ou a inocência da mulher e não do réu.
As mulheres das camadas populares trabalhavam, esbravejavam, brigavam, tinham autonomia na escolha de seus companheiros, lutavam para criar seus filhos. Elas não se encaixavam no modelo idealizado pela elite, pois, não cumpriam todas as regras de comportamento, visto que, sua condição social não permitia.
O Brasil mudou e para melhor.
Esta pequena análise permite que tenhamos uma noção de que, as mulheres sempre foram alvo de uma idealização, que persiste até os dias de hoje. Mesmo com algumas mudanças, é possível perceber em pleno século XXI que quando as elites sentem-se incomodadas, resgatam os valores mais retrógrados e moralistas para impedir que um determinado segmento (mulheres, negros, pobres) da sociedade tenham destaque.
É interessante como a imprensa continua desempenhando o papel de “conscientizador” da população para favorecer uma elite e acima de tudo seus interesses. E quando uma mulher assume o papel de destaque ou tem uma forma mais enérgica de conduzir uma determinada situação ela é taxada como “sapatão”( termo chulo, para designar uma mulher que age como homem), ou seja, resgatam valores do século passado (mulheres são frívolas, frágeis, são incapazes de governar se não houver uma figura masculina atrás manipulando), para desqualificarem a figura que os ameaça.
Podemos perceber que para as mulheres pobres, algumas tarefas persistem, pois ainda desempenham o papel de mãe, esposa e trabalhadora. Mas uma coisa deve-se destacar, atualmente elas estudam, buscam melhores colocações no mercado de trabalho e destacam-se politicamente por sua atuação.
Mesmo, diante de tantos avanços, alguns preconceitos ainda precisam ser quebrados e a eleição de Dilma Roussef é a prova de que a sociedade está mudando, para melhor.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
ESTEVES, Martha Abreu. Meninas Perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio De Janeiro: Paz e Terra, 1989.
SOHIET, Rachel. Condição Feminina e formas de Violência: Mulheres Pobres e ordem urbana. 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.